Sobre a minha sogra...

Sempre me considerei um bom ouvinte, mas ainda assim, houve um tempo em que eu não tive paciência nenhuma para aturar ouvir a minha sogra. Era como se fossemos cão e gato um para o outro, eu estava num patamar demasiado avançado para ela, e ela ocupava um patamar demasiado baixo para mim. Mas como ninguém gosta de dar parte de fraco, sobretudo aqueles que vêem a sua fragilidade crescer à medida que a idade avança, por cada boa ideia que me vinha à cabeça a fim de melhorar as (fracas) condições da nossa casa, ela teimava sempre em ser a voz do "contra", e, após ver-me confrontado por tamanha resistência, acabávamos sempre por discordar de tudo e virar costas um ao outro em vez de fazer a nossa vida avançar. Houve um tempo em que cheguei mesmo a detestá-la a ponto de querer insultá-la. Era um verdadeiro absurdo. Não lhe desejava mal algum, porque isso também não sou capaz de desejar ao meu pior inimigo, mas de toda a vez que a minha vida ganhava a possibilidade de seguir em frente, tinha sempre aquela pessoa para obstruir o meu caminho e destruir todas as minhas pretensões de fazer seja o que for. O meu sogro já tinha falecido há anos, e eu, como novo "patriarca" da casa, queria melhorar algumas coisas para limpar o cheiro antigo e trazer um ar mais fresco para o nosso lar. Mas embora tivesse algum dinheiro para investir, ainda assim não era suficiente e havia a necessidade de recorrer ao Banco, e este, por sua vez, exigia-me determinadas garantias para que o empréstimo pudesse ser concedido. Mas como a minha sogra sempre teve medo de "modernices", e sentia-se de certo modo desprotegida, as minhas intenções acabavam sempre afogadas em águas de bacalhau e nunca tive a possibilidade de fazer nada. E era por isso que discutíamos muito, que nos maltratávamos mutuamente - ainda que nunca tivesse havido nenhum insulto pelo meio -, que ficávamos constantemente à defesa, e ao ataque, que não éramos capazes de confiar, de trocar sorrisos, de fazer "festa", que fazíamos por desprezar a presença um do outro sempre que estávamos sentados à mesa, e que éramos capazes de partilhar todo o tipo de sentimentos um pelo outro, menos amor e respeito. Muitas vezes era confrangedor, mas, nos limites da decência, e da tolerância, e com maior ou menor dificuldade, lá conseguimos respeitar o espaço destinado a cada um. Só que entretanto a minha sogra ficou gravemente doente, e, como resultado dessa sua doença, ficou debilitada e acamou poucos meses depois. Como nunca equacionamos a opção de metê-la num lar de 3ª idade, nem havia nas nossas famílias qualquer tipo de tradição nesse sentido, a minha mulher teve que deixar o seu emprego para cuidar dela e desde então temos sido nós a cuidar dos destinos da casa. Algumas coisas dentro dela melhoraram entretanto, como é óbvio, mas nunca na linha dos planos que estabeleci nem daquilo que desejava ter feito. O problema (ou a sorte) é que a nossa vida está sempre a mudar, a reformular-se, a reinventar-se, e ao mudar, as circunstâncias também mudam, trazendo com elas novas sinergias que teremos inevitavelmente que assimilar e irá exigir de nós uma necessária e adequada adaptação. Quando a (nossa) realidade ganha outra forma, mudam-se também todos os objectivos traçados até a data, e passamos a estabelecer novas prioridades. É o tipo de coisas que tanto serve para mim como para o resto do mundo. Quando o mal nos bate à porta tudo aquilo que até aqui parecia ser prioritário muitas vezes deixa de o ser e passa para um plano secundário. Mas a nossa grande prioridade essa nunca mudou. Foi (e será) sempre trabalhar no sentido de garantir o bem estar da nossa família. "Ohana significa família. E família significa que ninguém fica para trás ou é esquecido", dizia aquela menina do "Stitch" e muito bem. Em suma, e como já disse mais acima, houve um tempo em que cheguei a detestar a minha sogra até quase parecer absurdo. E já por isso, talvez se justifique o seu ar de espanto, de confusão, de incredulidade, e de silêncio...de cada vez que me vê pegar nela ao colo para deitá-la na cama ou levá-la à casa de banho, que me sento ao lado dela para cortar-lhe as unhas das mãos ou vê-me de joelhos para lavar-lhe os pés ou meter um creme hidratante nas suas pernas.

Há dias, enquanto lhe fazia um curativo com betadine por causa de uma unha encravada, senti que ela estava a observar-me. Percebi o seu olhar e não consegui disfarçar um sorriso. Não te preocupes, linda sogrinha, comigo estarás sempre segura. E não fiques assim tão confusa. Não foste a única e nem sequer a primeira pessoa a julgar que me conhecia quando na verdade...nada sabia sobre mim.

7 comentários:

  1. Adorei este seu texto.
    Mas é a realidade, as vezes mesmo aqueles que nos são próximos julgam que nos conhecem, mas na verdade não, somos capazes de nos reinventar em situações que pensávamos que seriam impossíveis de todo.
    Acho que até nós mesmos, ficamos surpreendidos com a maneira como reagimos e atuamos.
    Mas estas de parabéns, qualquer um no teu lugar, tinha abandonado o barco.

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    1. Obrigado Mary.
      É muito difícil conhecer alguém de verdade. Aqueles que nos são mais próximos, podem, em certa medida, conhecer-nos melhor do que a maioria, mas mesmo esses nunca chegam a conhecer-nos totalmente. É como dizes, tanto nas relações familiares como nas relações amorosas, é nas horas más que ficamos a conhecer a nossa verdadeira essência e somos capazes de demonstrar o amor que sentimos umas pelas outras. Não estou nada surpreendido comigo, por tudo aquilo que tenho feito, porque antes de cuidar da minha sogra também já tive que mudar as fraldas da minha mãe, mas se tivesse que abandonar o barco, isso sim teria-me deixado bastante triste e desiludido. Mas felizmente, isso nunca aconteceu. :)

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  2. Parabéns, Francisco, não é para todos essa capacidade de abnegação :))))

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    1. Obrigado Quarentona, mas tenho a dizer que o termo "Abnegação" significa quando alguém desiste de algo ou de alguma coisa...e uma vez que a nossa grande prioridade sempre foi o bem estar da família, considero que nunca abdicamos de nada. Tudo o que fizemos até hoje está na coluna dos "ganhos" e deu sentido à nossa vida. :)

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    2. Sim, pode ser lido dessa forma, mas também tem o sentido de se ser altruísta ao ponto de abdicar de todos os sentimentos negativos que se possa ter em relação ao outro ;)))

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    3. Muito mal estaria o mundo se tivéssemos que avaliar as pessoas apenas considerando os seus aspectos negativos... :)

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  3. Percebo-te. Nunca cheguei a detesta-la, mas que e' preciso ter uma certa dose de paciencia e'. No entanto, quando fui preciso, tambem estive ao lado dela. E a mae do meu marido e eu sei que ela ate gosta de mim (apesar de eu ja ter batido o pe muitas vezes). Oh well... familia...

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A frase mais estúpida que poderá ser dita aqui é: "Para Pensador pensas pouco..."
A mais inteligente é: "És tão lindo Pensador..."