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Chamava-se Maria, ou Rita, ou Engrácia, ou Ripipi, mas decidi baptizá-la de Natália por ser a protagonista da primeiríssima e talvez única história de Natal que senti o chamamento de escrever até hoje. Enquanto esperava pela minha querida mulher, dentro do meu carro estacionado junto à porta principal do LIDL, deu-me para observar essa jovem miúda, bonita, de vestimenta e modos desajeitados que revelavam a sua natureza cigana, ou moldava, ou romena, ou sei-lá bem, e uma expressão profundamente triste que ofuscava o brilho dos seus lindos olhos azuis. De mão estendida e uma voz doce encantadora, por cada boa "alminha" que passava junto dela, via-a atirar incessantemente, com muito ar de desespero, sempre o mesmo apelo de misericórdia, ajuda e compaixão. E o desespero de quem passa fome mexe sempre com o meu âmago, cria um reboliço nas minhas entranhas, irrita-me, revolta-me, e faz sobressair as poucas partes boas que ainda vivem em mim. No meu intimo, sentia a pressão exercida sobre o meu ego inquieto; que espécie de ser humano seria eu para assistir tão impávido à miséria que parecia consumir sem misericórdia a vida daquela pobre criatura, sem sentir o anseio de agir ou mudar alguma coisa pequena que fosse? E se fosses tu, relembrava eu, terno e docemente, como aquela mensagem fatídica que tantas vezes vi passar na televisão. E se fosses tu, gostarias que alguém te tivesse dado a mão? Sim, é claro que gostaria, pensei eu, assolado pelo pressentimento convicto e decidido de que estaria preste a conquistar as boas graças do karma, ao contribuir de forma totalmente altruísta para a felicidade de outra pessoa que não fosse eu. Saí do carro e, enquanto caminhava na sua direcção, continuava a ouvir os apelos que, insistentemente, lançava contra o vento e voltavam para ela mais cheios de nada ou carregados de coisa nenhuma."Ayuuda pai", "Ayuuuda, mãe", "Ayuuda, abó". "Dá-me um pão", "dá-me um queijo", "dá-me um frango"...enfim, dá-me qualquer merda, a menos que ela seja literalmente. E a cada passo que dava, mais o meu coração batia, forte, e mais sentia o meu batimento cardíaco acelerar, e por cada novo apelo que ouvia mais enternecido me sentia, e desejoso de "salvar" aquela criança. Dentro de mim, já conseguia imaginar o seu sorriso de contentamento, o seu ar de espanto, de felicidade e agradecimento por saber que o mundo não era só feito de pessoas más, frias e egoístas. Imaginei as suas lágrimas de alegria, e até um abraço sentido, apertado, daqueles que surgem sempre de improviso e só pretendem encher de amor o coração de alguém. E foi naquele pequeno, sentido e silencioso momento, naquele fragmentado segundo que antecede sempre cada milagre, quando já estava preste a surgir diante dela, triunfante, com a minha mão carregada de afecto e generosidade...que vi um senhor de certa idade passar bruscamente à minha frente, talvez devido à pressa de parecer mal educado, e ser agraciado também ele com as atenções daquela criatura encantadora. Foi naquele inolvidável momento que voltei a ouvir a sua voz angélica: "Ayuuda, pai!", "Pai", "Ayuuda". E foi também naquele inolvidável e tenebroso momento, depois de ter visto o senhor de certa idade seguir já bem longe de mim - poucos segundos após ter ficado indiferente aos apelos da menina -, que pude ouvi-la murmurar baixinho contra o esmalte dos seus dentes...« seu grande filho da puta»...
Oh Natália...fodeste tudo...
(E o pior é que nem sequer é uma história. Foi tudo verdade...)
Como de futebol não percebo grande coisa ou mesmo nada, como também não sou homem e, logo, a mamãe Natal de mini-saia não me desperta qualquer vontade do que quer que seja, resta-me dizer que escolhi este texto para comentar porque gostei da forma como está escrito e do desfecho, digamos que na minha vida existe uma historia semelhante, apensa muda o cenário e a protagonista. Não foi uma boa experiência. Mesmo.
ResponderEliminarUm excelente ano de 2019, Francisco :)
Bom dia, Maria.
EliminarEu também percebo pouco de futebol...mas isso não me impede de acreditar naquilo que vejo nem de formular uma opinião à respeito, e onde houver seres humanos haverá sempre uma série de comportamentos, intrínsecos a cada um, que será sempre possível avaliar. E ainda não seja formado em psicologia, o pouco conhecimento que tenho nessa área (do comportamento humano) permite-me ter a certeza de que, hoje em dia, não é preciso ser-se homem para poder apreciar os encantos de uma Mamãe Natal de mini-saia. :)
Os meus "desfechos" tem esta faceta imprevisível...de tanto poder surpreender pela positiva como pela negativa e tenho a plena consciência que nem sempre isso abona a favor da minha imagem. Para quem me reconhecer algum valor e alimentar sempre a expectativa de encontrar bem melhor ou recolher muito mais de mim, será muitas vezes pela negativa...creio eu. Isso acontece porque esperamos sempre receber o melhor dos outros, para que esse melhor possa também anular o pior e consiga despertar o melhor de nós. É esse pressentimento que faz alguma gente continuar a acreditar em mim, foi também ele que levou-me a acreditar na "Natália", e terá sido também ele que levou-a a ter a tal "má experiência" que referiu no seu comentário. A vida é mesmo assim, nem sempre corresponde àquilo que verdadeiramente idealizamos e surgirão sempre algumas diferenças que, face ao seu teor, poderão parecer demasiado difíceis de aceitar. Mas são todas essas diferenças (boas e más) que fazem avançar o mundo, e, perante tudo isto, gostaria de relembrar aquilo que comentei ontem no seu blog, de que quaisquer que sejam as nossas escolhas na vida, se acreditamos realmente nelas, temos que saber caminhar - orgulhosamente - com a cara sempre bem levantada...sem nunca sentirmos vergonha de as assumir nem alimentarmos o anseio de ter que nos justificar constantemente perante os outros. Porque se assim não fosse...qual seria a lógica de eu ter um blog, por exemplo?
Um excelente ano para si também, Maria. :)