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Deve ter sido a noticia mais marcante da semana e não queria terminar a minha - ainda que, tecnicamente, o Domingo seja considerado o 1º dia de uma nova semana - sem tecer alguns comentários sobre um assunto que considero importante e está ligado a ela. Na madrugada da passada quarta-feira, dia 15 de Novembro, uma mulher foi baleada por engano pela policia, acabando por morrer depois, por ter cometido o crime de seguir para o seu trabalho à bordo de um Seat Leon de cor preta que foi confundido por outro do mesmo modelo que estava a ser perseguido pelas autoridades. Esta história apesar de parecer rocambolesca pode ser explicada em poucas linhas. Por volta das 3h00 da madrugada a PSP foi alertada de que pelo menos dois homens tinham acabado de fazer explodir uma caixa multibanco da Caixa Geral de Depósitos na Avenida Bento Gonçalves, Lisboa, com a intenção de roubar dinheiro, e, após tomar as diligências necessárias, cerca de 30 minutos depois conseguiram detectar um carro suspeito que conduzia na 2ª Circular em direcção a Sacavém. Quando a policia tentou interceptá-lo, o carro em vez de parar meteu prego a fundo e pôs-se em fuga, contornando todos os outros carros que circulavam na via, a alta velocidade e/ou em contramão, colocando assim em perigo a vida de toda a gente ali presente. Perto do aeroporto Humberto Delgado, numa rua sem saída, os assaltantes foram encurralados e começaram a disparar sobre os policias, que, por sua vez, tiveram de saltar para a berma da estrada para não serem colhidos e deixaram escapar os assaltantes no meio de toda aquela confusão. Poucos minutos depois, de volta à 2ª Circular, uma Equipa de Intervenção Rápida da PSP de Loures avistou outro Seat Leon de cor preta, dentro do qual seguia a vitima, que julgou tratar-se do carro que estava em fuga. Quando foi-lhe dado a ordem de paragem, o condutor do carro - que não tinha carta de condução - desobedeceu armado em trengo e colocou-se em fuga, tentando inclusive atropelar os agentes que tentavam barrar o seu caminho, na clara intenção de conseguir escapar desse modo a uma eventual multa. Acto continuo a viatura voltou a desobedecer a nova ordem de paragem feita por outra brigada e depois de ter sido interceptada e imobilizada mais à frente, verificou-se uma nova troca de tiros que acabou por vitimar a mulher que seguia ao lado do condutor. Uma estupidez não é? Pois, habituem-se porque, ao que parece, estamos a ficar uns verdadeiros peritos nessa matéria. Anda um homem a tentar fugir das paranóias, das maiores ameaças para a nossa integridade física, dos locais perigosos e das más companhias para evitarmos problemas, dos aviões com medo que eles caiam, dos prédios altos com medo que eles possam pegar fogo e depois não haja escapatória, dos barcos com medo que eles afundam, para depois um dia a gente levantar-se de manhã, tomar o nosso pequeno almoço, seguirmos descansados para o nosso trabalho, encontrar-mos a policia no caminho e levarmos com um tiro na cabeça. Não tenho palavras, isto é simplesmente incompreensível.
Confesso que houve uma fase, no passado, em que eu era manifestamente incapaz de ver as diferenças latentes entre ser policia e ser ladrão. Costumava dizer para quem tivesse a paciência de ouvir-me (poucos felizmente) que a única diferença que distinguia um ladrão de um policia era a particularidade de um ser forçado a roubar à revelia da lei e o outro poder roubar usando a lei como cobertura. Esta opinião, bastante depreciativa, era especialmente agravada pelo facto indesmentível até hoje de que nunca tinha tido um único problema que fosse com os senhores ladrões, enquanto que os senhores policias já me tinham espetado algumas multas por mau estacionamento e outras por excesso de velocidade (65 Km/hora numa localidade, pasmem-se!). Nessa altura ficava todo irritado, indignado quanto baste, e queria pegar no megafone e protestar para tudo quanto era sitio, mesmo que tivesse de armar o barraco às portas de Belém, mas após saber que as multas prescreviam todas ao fim de 2 anos deixei literalmente de me chatear com isso e passei a ver os policias como bons amigos (quanto Sr agente? 500 euros? só isso?). Mas depois reflecti sobre os meus erros e comecei a pensar para mim: Se normalmente somos capazes de confiar mais depressa a nossa vida na mão de um policia do que num ladrão, porque razão os detestamos assim tanto e não gostamos de os respeitar? E a resposta acabou por ser bem fácil de descobrir. Não gostamos deles porque representam o Estado. Costuma-se dizer que o Estado somos todos nós mas a realidade, porém, é que a população nunca sentiu isso dessa forma. Para a maioria de nós o Estado é apenas constituído pelo governo que o representa. E o que é que nós, portugueses, nos fartamos de fazer no nosso dia a dia? Ora ai está, falamos mal do governo. Daquilo que roubam, do que comem à nossa custa, dos impostos, dos desvios de milhões, dos amigos, da corrupção, etc. Mas como o presidente da república e todos os outros ministros nunca andam na rua sozinhos para a gente poder cuspir-lhes em cima ou partir-lhes a cara, quem são os primeiros a dar a cara por eles mesmo que não tenham culpa nenhuma? Os policias pois claro...
É verdade, sempre que o motivo das nossas frustrações fazem alguma referência ao Estado, acabamos por descarregar toda a nossa raiva em cima dos policias, porque embora seja o Governo a criar as leis que nos penalizam e nos massacra o juízo, quem acaba por aplicá-las e dar a cara são eles e isso faz com que assumem de certa forma o papel de "patinho feio". Ainda por cima as fundações democráticas do nosso país trataram de agravar ainda mais a maneira egoísta com que gostamos de avaliar o nosso potencial e a nossa presença na Terra. De tanto defender que perante a lei e os seus princípios democráticos, todos os cidadãos do país são considerados iguais, a sociedade acabou por acreditar de que isso era mesmo verdade...quando na verdade, não era. Esta é talvez a falha mais grave da democracia. De tanto querer tratar toda a gente por igual, dando liberdade de acção, apoios e rendimentos mínimos, e direitos a quem não soube merecê-los e nem sequer sabe respeitar os direitos dos outros, acabou por criar
uma sociedade tendencialmente marginal com nítida ausência de valores e propensão para a desobediência. E é disto que tenho muito medo. De tanto sentir-se importante a sociedade acabou por deixar de o ser. Durante muitos anos vivemos a falsa ilusão de que existia uma força policial capaz, instituições sociais e financeiras competentes, uma justiça célere e funcional, um ideal de ordem e disciplina, quando na realidade não existia nada disso. Era tudo uma grandessissima treta. Alguns criminosos e desordeiros delinquentes foram os primeiros a dar-se conta disso (os tais que andam agora a estoirar as caixas multibanco) e num futuro não muito distante viveremos uma situação social quase igual às favelas do Brasil. A população habituou-se a ver os policias serem ridicularizados em tribunal, agredidos e espancados nas ruas, maltratados pela lei, e a serem castigados muitas vezes por estar a cumprir o dever deles, que isso fez com que deixassem de ser vistos como legítimos representantes da autoridade. Assim, quando a sociedade deixa de saber respeitar a policia...também deixa de saber respeitar a lei. Foi isto que aconteceu em Lisboa, o condutor do carro não tinha carta e não sentiu qualquer obrigação de respeitar a autoridade que tinha diante de si, ignorando-a, desprezando-a, fazendo-lhe frente. E é também por isso que, e isto agora em jeito de conclusão, sinto muita pena que aquela mulher tenha morrido sem razão por causa de uma bala que não lhe pertencia receber e que devia ter sido dirigida ao condutor do carro que decidiu ignorar as ordens de paragens, mas se alguém quiser condenar os policias por terem disparado contra o carro depois deste ter tentado atropelá-los (e matá-los por sinal), então isso só quer dizer uma coisa. Essa pessoa - estúpida - também já faz parte da nata marginal que tive a gentileza de sublinhar neste texto.