No segredo dos Deuses...

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Quando era jovem, ou pelo menos, bem mais jovem do que sou hoje, a minha madrinha de baptismo, mulher devota e fiel seguidora dos ensinamentos da fé cristã, negava-se de todo a aceitar que eu tivesse decidido abandonar a via religiosa por ter ficado desiludido com tudo aquilo que ela representava para o mundo. Era uma mulher simples, de trato fácil, que eu admirava imenso, e que tinha opiniões quase sempre acertadas, esforçando-se por fazer o bem, tratar com respeito o mundo à sua volta e nunca carregar com ela o peso de ter sido injusta com alguém. O melhor que pode acontecer ao ser humano é poder dormir todos os dias com a sua consciência limpa, dizia ela e muito bem. Como ela achava que o meu afastamento tinha sido causado por acção e influência destas "modernices" agravada pela ideia imatura - muito propícia para rapazes da minha idade - de achar o conceito da Igreja Católica aborrecido, e como no país já estavam a ser implementadas outras opções bem mais divertidas de viver a nossa religiosidade, fazendo contraste com aquelas missas aborrecidas que nunca mais acabavam e tinham sermões de hora e meia, vai dai...lembrou-se de começar a seduzir-me com a possibilidade de assistir a programas religiosos diferentes, muito mais animados e modernos, com a promessa de haver sempre uma recompensa reservada para mim no final. O seu plano era simples mas terrivelmente encantador. Com a desculpa de não conhecer a cidade e ficar confusa com os horários dos transportes públicos, uma a duas vezes por mês, telefonava para a minha casa e pedia-me que a levasse certos domingos até ao Coliseu do Porto para assistir às missas da IURD (Igreja Universal do Reino de Deus), já que, embora ainda estivesse a dar os seus primeiros passos por terras lusas, essa igreja já gozava de uma projecção considerável no nosso país, despertando o interesse de todos aqueles que moravam nas redondezas. Obviamente que a minha madrinha prometia pagar-me a gasolina e obviamente que também tinha direito a comer um lanchinho e meter uma notinha no bolso no final do espectáculo. Era assim aquela mulher, uma querida, e a nossa parceria conseguia satisfazer as necessidades de ambos. Ela vivia a ilusão de que estava a curar a minha alma, promovendo a minha "evangelização", e eu ficava com dinheiro extra no bolso para comprar tabaco, jogar bilhar de mesa e pagar uns copos às miúdas que ia conhecendo nas discotecas, antes de conseguir metê-las na traseira do meu carro para dar umas trollitadas junto ao rio e deixar os vidros embaciados por causa do calor. Tanto eu como ela mantínhamos um bom propósito, logo, como podem ver,  ele só podia receber a bênção de Deus.
Mas chegou uma altura em que nem sequer as notas conseguiam convencer-me e comecei a inventar desculpas para evitar essas saídas. De que o meu carro estava avariado, de que tinha outra saída programada com os amigos a qual não podia faltar, de que ia participar num passeio de autocarro até Fátima (hahahaha), de que tinha arranjado uma namorada e era um pouco cedo metê-la nesses caminhos, e outras coisas assim do género. Não é que não gostasse da companhia da minha madrinha pois adorava aquela mulher, mas eu já não conseguia mais representar aquele papel. Sentia-me uma pessoa hipócrita, mentirosa, suja, porque percebi que estava a aproveitar-me da ingenuidade de uma pessoa que apenas sentia amor por mim. Não estava a ser bonito para mim nem justo para ela. Era tempo de virar aquela página. Nos inícios tudo bem, ainda consegui achar alguma piada por ver todo aquele folclore bem ensaiado e muito melhor representado, de bispos a falar com sotaque brasileiro, que punham-se celebrar missas cantadas com  piano e guitarra por...brasileiros, com gente histérica toda ela aos gritos (normalmente brasileiros) por ver diabos a ser expulsos do corpo de...pois, mais brasileiros ainda. Era tudo brasileiro, que raio de coincidência mais milagrosa. Em poucas sessões percebi logo de que tudo aquilo era um espectáculo montado e pura charlatanice e de certa forma eu acabava por sentir-me em casa porque, pelo trabalho que eu estava ali a fazer, estava a ser outro charlatão tão grande quanto eles. O conceito da IURD era terrivelmente eficiente porque oferecia tudo aquilo que o ser humano adora receber. Sentimentos. Havia alegria, festa, sorrisos, tristeza, lágrimas, muita música, o ideal de que todos somos importantes e temos o nosso lugar no mundo e...também o medo. Sim medo, e daquele bem medonho, porque de cada vez que um Bispo conseguia expulsar o diabo do corpo de alguém ficava logo tudo apavorado com a possibilidade de ele não sair da sala e querer meter-se no corpo de outro. E para que isso não acontecesse, ficava bem perceptível de uma forma mais ou menos directa que era necessário pagar o dizimo. Com dinheiro, ouro, jóias, donativos, cheques ou cartões de crédito, tanto fazia, o importante mesmo era pagar para evitar qualquer desgosto e obter a protecção do nosso mui kirido e amado jasuus cristo nosso sinhor e salvador. Hey man! Enfim, no fundo eles não estavam a fazer nada que fosse diferente daquilo que a Igreja Católica tem feito ao longo dos séculos, a única diferença é que estavam a fazer tudo isso de uma forma mais descarada e desenvergonhada, com mais animação e com muito melhor ambiente de festa. Quando em 1977 o bispo Edir Macedo esboçou os primeiros traços daquilo que viria a ser muitos anos mais tarde esta máquina gigante de vender ilusões, deve ter tomado em consideração que havia 2,4 biliões de cristãos por todo o mundo e que isso dava um bolo demasiado enorme, logo, porque haveria de ser comido apenas por cerca de 1/2 dúzia? Havia lugar para mais um e assim foi formada uma nova empresa, e toda a empresa necessita de vender o seu produto para gerar dinheiro, nem que seja à custa da fé e da ingenuidade das pessoas.
E é por tudo isso também que não estou nada espantado com o teor das últimas noticias que tem surgido na praça pública e que envolvem o nome da IURD num alegado esquema de adopção ilegal de crianças, despoletadas por uma reportagem chamada "O segredo dos Deuses" que passou recentemente na TVI. Se acredito que eles estejam metidos naquela porcaria? Mas é claro que sim, devem estar enterrados nela até o pescoço. O tráfico internacional de crianças não rende muito dinheiro? Logo, é natural que ela esteja metida nisso. O dinheiro manda em tudo ó genti!
Mas tudo isso é fruto da minha subjectividade enquanto ser humano e num estado de direito com mecanismos próprios para fazer justiça, ela de nada serve e vale apenas aquilo que vale. Assim, como expectador interessado, irei manter-me na expectativa de ver o desenrolar dos próximos capítulos e saber que diligências a IURD irá tomar para conseguir sair desta embrulhada. Para já reconheço-lhe uma ideia inteligente. Como os próximos meses prometem ser muito ruins, com a revelação de vários casos de crianças raptadas e adopções ilegais que surgirão certamente na pública e poderão manchar irremediavelmente a imagem dessa igreja, a IURD tomou a opção inteligente de convocar um "jejum de notícias" à sua legião de seguidores. Como grande conhecedora das fraquezas humanas, essa organização religiosa sabe muito bem que todas as notícias que chegam ao expectador surgem sempre em momentos pontuais e nunca deixam de ter um efeito esporádico e passageiro. Quando o assunto ficar esgotado e a poeira assentar, tudo voltará à normalidade e a comunicação social irá tratar de morder os calcanhares a outro para arranjar um novo assunto. Assim, mais importante do que limpar a nossa casa da vergonha e atestar a qualidade do nosso produto, é saber manter as preferências da nossa clientela e não a deixar fugir. Aquilo que as pessoas não sabem, também não as pode prejudicar, logo, enquanto essa polémica andar no ar...há que fazer um jejum de notícias e manter tudo no segredo dos deuses...

E a justiça essa...bem sabemos a forma como ela funciona e aquilo que ela costuma valer em Portugal. Tal como já tinha dito em cima, o dinheiro manda em tudo ó genti!

2 comentários:

  1. Esse bispo é odiado por muitos aqui no Brasil! A grande obra farônica deste senhor é o Templo de Salomão que fica em São Paulo, os pobres piram! HARARHA

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    1. Não fico admirado que ele seja odiado por muita gente no Brasil porque foi o lugar onde tudo começou e, no meio de tantos cegos, há sempre quem tenha a capacidade de ver tão bem quanto ele. Podemos enganar algumas pessoas durante algum tempo mas ninguém consegue enganar todo o mundo e muito menos toda a vida. O problema é que no meio de tanto ódio ele ainda vai conseguindo despertar algumas paixões e vai enriquecendo à custa delas...

      Os podres esse, coitados...são pobres em tudo infelizmente...

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A frase mais estúpida que poderá ser dita aqui é: "Para Pensador pensas pouco..."
A mais inteligente é: "És tão lindo Pensador..."